domingo, março 01, 2015

A dívida pública: o insustentável argumento do Governo

• Emanuel Augusto dos Santos, A dívida pública: o insustentável argumento do Governo [ontem no Expresso/Economia]:
    «De acordo com os dados do Boletim Estatístico de fevereiro do Banco de Portugal, a dívida das administrações públicas voltou a aumentar em 2014. Aumentou em milhões de euros e também em percentagem do PIB. Comparando com o valor do final de 2010, a dívida pública é agora superior em 32,5 pontos percentuais do PIB, ou seja o Estado deve hoje mais cerca de 53 mil milhões de euros do que devia em 2010. A realidade é esta, mesmo considerando os efeitos favoráveis do ligeiro crescimento do PIB em 2014 e da significativa descida das taxas de juro na zona do euro num contexto económico onde a deflação (e não a inflação) é agora o maior risco.

    A dívida cresceu em percentagem do PIB porque o país produziu menos, de ano para ano, durante todo o primeiro triénio desta legislatura — o PIB caiu em termos acumulados 6,4 por cento — e a consolidação orçamental pouco avançou em termos estruturais. Reconhecer estes factos é o mesmo que admitir que a política económica seguida, caracterizada pela austeridade excessiva, falhou. Ora, os atuais governantes não têm a grandeza política de admitir o erro, porque, naturalmente, também não têm qualquer intenção de o corrigir. E vai daí, inventaram uma explicação falaciosa cujo absurdo deve ser denunciado. O argumento utilizado é o seguinte: a dívida pública teria aumentado devido à inclusão das dívidas das empresas públicas naquele agregado. Isso seria verdade se no ano de 2010 — o termo de comparação — essas mesmas dívidas não tivessem sido já contabilizadas na dívida pública, em conformidade com a decisão do Eurostat. Deste modo, se as dívidas das empresas públicas já estavam incluídas em 2010, o aumento da dívida pública nos últimos quatro anos é da responsabilidade exclusiva deste Governo. Há uma regra na aritmética que diz: se se somar a mesma constante ao aditivo e ao subtrativo a diferença não se altera, ou seja, no caso vertente, se se adicionar em 2014 e em 2010 as dívidas das empresas públicas, o aumento da dívida pública continua a ser o mesmo.

    A questão da transparência, que é invocada a este propósito, também não deve ser creditada a favor do Governo, porque não foi por decisão sua que as empresas públicas passaram a ser incluídas no perímetro orçamental. Aliás, isso aconteceu nas contas de 2010 por decisão do Eurostat como se disse atrás. O leitor interessado poderá consultar o Relatório do Banco de Portugal de 2010, onde se pode ler "as contas das administrações públicas em 2010 foram afetadas por um conjunto de alterações metodológicas e fatores extraordinários, levando a que o rácio da dívida pública voltasse a ter um forte crescimento, atingindo um nível historicamente alto no final do ano" (pág.lll). Em particular, é de destacar, pelo seu impacto no nível da dívida, a inclusão das empresas públicas de transporte nas contas públicas. O banco central aplicou a nova metodologia retrospetivamente para os anos anteriores até 2007, tornando possível fazer comparações, com base numa série estatística homogénea.

    O valor estimado para aquele ano, incluindo já o efeito do aumento das dívidas das empresas públicas consideradas no perímetro orçamental foi de 68,3 por cento do PIB. Temos, assim, que de 2007 a 2010, a dívida pública aumentou 27,9 pontos percentuais do PIB e, no triénio seguinte até 2013, o correspondente aumento foi de 31,8 pontos percentuais do PIB. A escolha de um período com exatamente a mesma duração permite fazer uma comparação direta dos dois acréscimos. Alguns analistas fazem comparações diretas utilizando períodos diferentes para, naturalmente, chegar às conclusões que desejam, mas estas "habilidades", tal como a que temos vindo a criticar, devem ser veementemente denunciadas.

    Na substância, o que surpreende é o facto de a dívida pública em Portugal ter aumentado mais nos três anos de forte austeridade e de hipotética contenção orçamental que no triénio imediatamente anterior, que, como é reconhecido por todos, foi atravessado pela maior crise económica e financeira dos últimos 80 anos. Um a um, os mais fervorosos adeptos domésticos da teoria da austeridade expansionista foram caindo, deixando para a posterioridade, em cartas ou ensaios, os seus desabafos de desilusão. A esses assiste-lhes a justiça de se reconhecer nesses desabafos alguma prova de inteligência, mas aqueles que, ainda hoje, persistem na defesa dessa mesma teoria, ignorando as estatísticas e os factos, só podem merecer o nosso desprezo.»

3 comentários :

Anónimo disse...

a fálacia tem um grande divulgador: o gomes ferreira, cujo grande objectivo de vida é fazer bicos ao passos.

passerby disse...

Toda a gente que já conduziu um carro sabe que quando se tira o pé do acelerador e se carrega no travão, o carro deixa de continuar a avançar e começa imediatamente a fazer marcha-atrás.

Ah, espera, não é assim que funciona?

Gaita.

Anónimo disse...

Muito bem Dr. Emanuel Santos!
Espero que o senhor esteja entre os escolhidos para o futuro governo do PS, obviamente no Ministério das Finanças, que muito bem conhece.