terça-feira, julho 28, 2009

O país visto de Bruxelas [2]

Talvez o ponto que valha mais a pena discutir é a afirmação de Rui Tavares de que houve uma “recusa” das leis anticorrupção de Cravinho. O assunto é complexo e justifica-se que se vá por partes:

1. O combate à corrupção exige, antes do mais, uma distinção entre três aspectos:
    • A política penal;
    • A investigação criminal; e
    • A prevenção.
Impõe-se, assim, reforçar a eficácia nos três domínios. No direito comparado europeu e nos países mais desenvolvidos, há uma clara prevalência dos instrumentos de prevenção, uma vez que só desse modo será possível criar instrumentos de detecção de riscos. Importa, aliás, lembrar que a prova nestes crimes é sempre extraordinariamente difícil e que a existência de paraísos fiscais (off-shores) alarga as hipóteses de impunidade.

2. Foi essa a linha seguida com a criação do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), que corresponde a uma fórmula aperfeiçoada semelhante ao que já há nos países europeus (de resto, com maiores garantias de independência do que existe na maioria dos outros casos, pois o Conselho é presidido pelo conselheiro presidente de um tribunal superior). Nessa linha, importa criar nos serviços públicos, nos diversos níveis da Administração (central, regional e local) e nas empresas públicas, códigos de conduta e planos de prevenção de riscos de corrupção, de modo a reduzir ocasiões e circunstâncias propiciadoras da corrupção. Estes planos deverão ser objecto de acompanhamento e controlo de modo a garantir a sua efectiva concretização e a existência de consequências na redução efectiva dos perigos de corrupção.

É neste âmbito que, após ter sido efectuado um inquérito (de avaliação dos riscos) a todas as entidades que administrem dinheiros, valores e património públicos, o CPC determinou que essas entidades, seja qual for a sua natureza, elaborem, no prazo de 90 dias, planos de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas, contendo um conjunto de elementos que estão discriminados na Recomendação n.º 1/2009, publicada na 2.ª Série do Diário da República de 22 de Julho.

3. Para além do CPC, foram aprovados muitos e importantes diplomas com implicações no combate à corrupção, tais como:
    3.1. No quadro da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos alterou-se o regime vigente, transferindo a iniciativa do recurso ao tribunal do cidadão reclamante para a entidade administrativa e introduzindo prazos concretos de resposta por parte da Administração, bem como sanções pecuniárias para o respectivo incumprimento (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto).

    3.2. A Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, criou um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição desportiva. O agravamento das penas foi graduado pela distinção entre corrupção activa e passiva ao nível sancionatório. Igualmente inovadora é a incriminação da associação criminosa no fenómeno desportivo, inspirada na revisão do Código Penal.

    3.3. No tocante ao ordenamento do território, impôs-se aos municípios a transcrição digital georeferenciada de todo o conteúdo documental dos planos municipais de ordenamento do território, passando a disponibilizá-los nos respectivos sítios electrónicos (Lei n.º 56/2007, de 31 de Agosto).

    3.4. Criou-se uma base de dados de procurações no âmbito do Ministério da Justiça, sendo de registo obrigatório as que contenham poderes irrevogáveis de transferência da titularidade de imóveis. Pretende-se por esta via combater as formas alternativas de transferência da titularidade de imóveis sem a respectiva escritura e registo (artigo 1.º da Lei n.º 19/2008, de 21 de Abril).

    3.5. Criou-se um regime de protecção e garantia aos funcionários que denunciem actos de corrupção de que tenham conhecimento no âmbito do desempenho das suas funções ou por causa delas (artigo 4.º Lei n.º 19/2008).

    3.6. Alterou-se a Lei Geral Tributária, criando-se a obrigatoriedade de comunicação ao Ministério Público da decisão de avaliação da matéria colectável com recurso ao método indirecto e, tratando-se de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, à respectiva tutela. Esta nova obrigação legal dirigida à administração fiscal impõe a comunicação oficiosa ao Ministério Público sempre que se conclua pela desconformidade entre rendimento declarado e aumento de património por parte do sujeito fiscal (artigo 3º da Lei n.º 19/2008).

    3.7. Alargou-se o regime de combate à criminalidade organizada e económico-financeira (Lei n.º 5/2002, de 11 de Novembro) aos crimes de tráfico de influência, corrupção activa e participação económica em negócio, favorecendo-se a eficácia da investigação criminal (artigo 2.º da Lei n.º 19/2008).

    3.8. Foi imposta a inserção obrigatória no relatório do Procurador-Geral da República previsto na Lei-quadro da Politica Criminal (Lei n.º 17/2006, de 23 de Março) de uma parte específica relativa aos crimes de corrupção (artigo 6º da Lei n.º 19/2008).

    3.9. Consagrou-se a constituição de assistente em processo-crime por parte de associações cujo objecto seja o combate à corrupção, facilitando o seu acesso ao processo-crime e o auxílio na aplicação da Justiça, conferindo-se a isenção de taxas de justiça (artigo 5.º da Lei n.º 19/2008).

    3.10. No âmbito da fiscalização do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos, criou-se a possibilidade de o Ministério Público proceder anualmente à análise das declarações apresentadas após o termo dos mandatos ou de cessação de funções dos respectivos titulares (artigo 7.º da Lei n.º 19/2008).

    3.11. A Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril, cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no sector privado, dando cumprimento à Decisão Quadro n.º 2003/568/JAI, do Conselho, de 22 de Julho.

    3.12. A Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.º 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e n.º 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto.

    3.13. Estas alterações devem ainda ser articuladas com as alterações introduzida no âmbito da revisão do Código Penal, nomeadamente com a consagração expressa da responsabilidade penal das pessoas colectivas, tida como indispensável para prevenir actividades especialmente danosas que ultrapassam largamente o universo desportivo. A consagração desta opção encontra-se em linha com vários instrumentos de direito convencional comunitário, assim como com diversas decisões-quadro do Conselho da União Europeia, que impõem aos Estados-membros o dever de adoptar as medidas necessárias à responsabilização das pessoas colectivas pela prática de actos que integram certos tipos penais.

    3.14. Foi aprovada a Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007, que “Aprova a Convenção contra a Corrupção, adoptada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 31 de Outubro de 2003”.
[A continuar]

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