quarta-feira, setembro 09, 2009

“Asfixia mediática”

Vital Moreira escreveu ontem no Público sobre "Asfixia mediática":
    Pode-se governar e ganhar eleições contra os meios de comunicação social? Certamente que sim. Porém, como diz um anúncio em voga, não é a mesma coisa. Com uma "má imprensa", tudo exige muito mais esforço e os resultados ficam sempre aquém das possibilidades.

    Ressalvado o breve episódio desse nonsense político que foi o governo de Santana Lopes, nenhum governo entre nós desde o início da era democrática enfrentou uma tão generalizada e profunda hostilidade na imprensa (em sentido amplo) do que o Governo de Sócrates, cujo mandato agora chega a fim. O triste exemplo do Jornal Nacional da TVI às sextas-feiras não passava de uma excrescência patológica, caso extreme da instrumentalização sem escrúpulos da televisão para fins políticos, num programa de natureza pseudo-informativa de onde a objectividade informativa e as regras deontológicas do jornalismo tinham sido proscritas, em favor de um projecto de perseguição política ao Governo e de ódio ao primeiro-ministro.

    O desaparecimento desse vergonhoso abcesso, por decisão da própria estação - que só peca por tardia (pois tal programa nunca deveria ter existido) e por ser politicamente desastrada e inoportuna (dada a proximidade das eleições) -, não basta, longe disso, para desvalorizar a influência política da animosidade dos media contra o Governo ao longo destes anos. Basta referir três linhas claras de actuação da imprensa: primeiro, o apoio à resistência de todas as corporações contra as reformas empreendidas pelo Governo; segundo, a exploração repetitiva, até ao absurdo, dos casos e pseudocasos, contra o primeiro-ministro em especial; terceiro, a sistemática adopção do ponto de vista das oposições como critério de avaliação das políticas governamentais.

    Uma das grandes virtudes deste Governo foi ter tido a coragem, como nenhum outro desde o 25 de Abril, de enfrentar as mais poderosas corporações e grupos de interesses, a começar pelo próprio sector público, eliminando privilégios e iníquos regimes especiais sem qualquer justificação, nomeadamente em matéria de protecção da saúde, de segurança social e de estatuto profissional. Pois não houve nenhum caso em que os media (com excepções, bem entendido) não tenham alinhado com a resistência dos interesses instalados a essas medidas, que culminou em transformar em gesta social a mesquinha oposição dos sindicatos dos professores a todas as medidas de reforma do sector, desde o encerramento de escolas sem alunos até à reconfiguração da carreira, desde a escola a tempo inteiro até à avaliação do desempenho.

    Muito mais grave foi (e é) o aproveitamento sem princípios nem limites de supostos casos contra o primeiro-ministro, nomeadamente o caso Freeport, ao qual se volta recorrentemente, apesar de não haver o mínimo indício objectivo e comprovado de responsabilidade de Sócrates em qualquer irregularidade nesse processo. E, no entanto, ao longo dos últimos dois anos foram produzidas centenas de manchetes em jornais e de aberturas de noticiários de televisão sobre o caso, sempre para insinuar e dar como estabelecido o seu envolvimento na alegada tramóia do licenciamento do referido empreendimento, muitas vezes com base em elementos selectivamente filtrados do processo, em sistemática violação do segredo de justiça (por cuja violação, porém, nenhum órgão de comunicação foi até agora acusado, apesar da evidência dos inúmeros crimes quase diários).

    O terceiro traço do enviesamento político dos media entre nós passa pela sistemática adopção acrítica dos pontos de vista da oposição, renunciando à sua tarefa de juízo e crítica autónoma. Mesmo quando se trata de questões de facto, a generalidade da comunicação social renuncia à sua verificação, limitando-se a veicular as acusações sectárias da oposição (veja-se por exemplo o que sucedeu antes das eleições europeias relativamente aos desencontrados dados sobre o grau de utilização dos fundos da UE). Frequentemente os media silenciam pura e simplesmente as iniciativas governamentais, das quais só se tem notícia quando eles dão pasto às críticas das oposições. Por último, há as preferências electivas, como sucede com o desvelo de muita imprensa de direita em relação ao Bloco de Esquerda e com a zelosa protecção dada às evidentes limitações da líder do PSD.

    Numa democracia liberal só pode sublinhar-se o valor fundamental da liberdade de informação e de opinião. Todavia, tal como todas as demais liberdades, também essa deve ser conciliada desde logo com a protecção de outros valores e direitos constitucionais, entre os quais a dignidade das pessoas, a reserva da vida privada e dos dados pessoais, o direito ao bom nome e reputação, o segredo de justiça e o segredo de Estado, a presunção de inocência em matéria penal, etc. E também deve observar as regras deontológicas da profissão, incluindo a separação entre a informação e a opinião, a isenção na informação, o dever de audição dos interessados, o respeito pelos direitos das pessoas, etc.

    Há quem no PSD e na imprensa que o apoia - certamente julgando o país à imagem da Madeira... - tenha inventado uma pretensa "asfixia democrática" no nosso país. A verdade é que os media - incluindo os do sector público - nunca exerceram com tanta liberdade e intensidade a crítica do poder político, sem qualquer interferência deste, pelo que aquela noção seria grave se não fosse ridícula. Pelo contrário, o que pode estar em causa é o perigo de "Asfixia mediática" da opinião pública e da sua capacidade de avaliação política autónoma, por efeito de deliberada parcialidade política da maioria da comunicação social.

    Em vez de imporem a sua própria agenda política aos cidadãos, os media deveriam salvaguardar e respeitar a sua liberdade de decisão política. A democracia é o governo dos cidadãos, não dos grupos mediáticos.

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