segunda-feira, março 05, 2012

O papel dos estarolas no Estado: “Era tempo de se acabar com esta infantilidade”

António Correia de Campos, Punição auto-inflingida [hoje no Público, no dia do seu aniversário]:
    ‘Os jornais noticiam que o INA desapareceu, para dar lugar a uma direcção-geral encarregada da formação, do recrutamento interno e externo e da gestão da mobilidade, seja o que for que se entenda por tais expressões (…).

    Quando um país extingue o seu serviço de excelência para formação de dirigentes, fá-lo por ter alternativas melhores: ou decide entregar a respectiva formação a escolas estrangeiras, por exemplo a ENA (França) ou o Civil Service College (Reino Unido); ou pensa recorrer a universidades; ou então pretende criar um outro, com igual ou superior qualidade. A primeira solução não se vê que pudesse trazer economias, nem que criasse capacidade nacional para reflexão e criação endógenas, indispensáveis à gestão de 500 mil funcionários da administração central. Criar um serviço totalmente novo poderia compreender-se, se o INA carregasse tantos vícios que devesse ser extinto para reconstrução de raiz. Não parece ser o caso, pois o registo do INA é reconhecido como de alta qualidade no panorama da administração pública nacional, como o atestam o seu programa, a opinião dos formandos e avaliadores, os encontros e congressos, as publicações, o reconhecimento que colheu nos meios académicos e até a sua capacidade de granjear receita, pela prestação de serviços e consultoria, nacionais e internacionais. De resto, a formação de base que só em 1998 pôde iniciar-se, através do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP), permitiu através de muito exigente selecção e formação preparar algumas centenas de jovens quadros que só não brilham mais devido ao bloqueio que sobre eles a estrutura tende a exercer.

    (…)

    O modelo anterior não resultou do acaso, mas da experiência. Nunca se pretendeu uma formação centralizada nem monopolista, como os fundos comunitários facilmente propiciariam. Bem ao contrário, o INA fez sempre questão de conviver com o mercado privado de formação, dele se distinguindo apenas pela qualidade. Quase sempre o INA iniciava áreas novas, nas quais se puderam capacitar operadores privados que depois as ofereciam no mercado; e nunca daí resultaram problemas, pois as vantagens comparativas da formação pública eram imensas, não apenas na qualidade, mas sobretudo na articulação entre a teoria e a prática, garantida pela proximidade aos serviços.

    Assim, cedo ou tarde, este ou outro governo sentirão a necessidade de voltar a criar uma escola para a alta administração pública. Pelo caminho perdeu-se a instituição, a sua experiência, o seu apreciado perfil de excelência, e a sua capacidade de apoiar a formação com países de língua portuguesa, incluindo a cooperação com o Brasil. Perdeu-se também a experiência de consultoria internacional baseada em parcerias com as melhores escolas europeias, às quais acrescentava e das quais recebia valor.

    (…)

    Muitos intuem, nesta decisão, não só desconhecimento, mas até desprezo pela administração pública, a fonte de todos os males, nela se concentrando a punção e punição financeira que nos irá salvar por dieta forçada. Uma punição auto-infligida. Era tempo de se acabar com esta infantilidade. Transformar o INA em direcção-geral é o caminho para o esquecimento. Só não o será porque cedo ou tarde se terá que regressar ao ponto de partida. Com trauma e perdas escusadas.’

1 comentário :

Anónimo disse...

Excelente análise.
Conheço razoavelmente bem o INA, pois fiz lá o CEAGP e, profissionalmente, temos (tínhamos) alguns projetos com esta Instituição.
Ao nível dos recursos humanos o nível é altíssimo (entre internos e externos), salvo uma ou outra excepção (entre os externos).
Mais, as possibilidades de internacionalização (como aliás referido na análise) são enormes: Angola, Moçambique, Cabo-Verde e, especialmente, Timor-Leste entre outros, devido à língua comum, às estruturas semelhantes da Administração Pública, à vontade de contarem com Portugal para o desenvolvimento das boas práticas na gestão pública.
A questão de fundo é outra: não é a excelência, nem as oportunidades de negócio que movem esta gente, nem sequer a poupança de recursos. No fundo, a única coisa que interessa é destruir o que é público, o que, reconhecidamente, é melhor no público do que no privado, para, em outsourcing e mais caro, darem a meia dúzia de consultores e de empresas.
É este o único paradigma deste governo.