segunda-feira, julho 30, 2012

"Falta nas Finanças em experiência e conhecimento da vida o que sobra em teoria e ortodoxia"

• António Correia de Campos, A linha política [hoje no Público]:
    ‘No final do primeiro ano de governo já é possível descortinar a linha política. Linha sinuosa que não se confunde com políticas. A linha é única: cortar despesa e aumentar receita. Nada mais ela tange: nem o crescimento, nem o emprego, nem a produção industrial, agrícola ou de serviços, nem sequer a reforma da máquina do Estado. Esperava-se que algumas reformas aproveitassem a ocasião, culpando a troika e Sócrates. Poderá ser o caso da reforma das leis do trabalho, ou da reforma do inquilinato urbano. Admitamos. Quanto à máquina do Estado, cessaram as reformas da simplificação administrativa; criaram-se duplicatas das Lojas do Cidadão, ao lado das iniciais, por conta de ministérios cronicamente remissos; engordaram-se os gabinetes com assessores a quem se atribuem os dois subsídios amputados aos funcionários, para executarem mal aquilo que os serviços de linha podem realizar bem; reduziu-se dramaticamente o investimento em formação; empurram-se para a aposentação alguns dos mais experientes, com ameaças de mais cortes, sem que se admita sangue novo em processo concorrencial. Criou-se uma comissão do serviço público para seleccionar dirigentes, mas alguns escapam pelas grossas malhas da rede: em 12 nomeações para presidentes de agrupamentos de centros de saúde, uma peça essencial da rede de cuidados de saúde, apenas seis são originários dos serviços de saúde, apenas dois sendo médicos. O lote inclui um dirigente desportivo e organizador de eventos locais, um ex-secretário de presidente de câmara, vendedor de máquinas industriais, dispensado pela derrota eleitoral do seu presidente, e um antigo director financeiro de empresa de rochas ornamentais e ex-assessor de vereador. Personalidades certamente competentes nas anteriores funções, a quem agora vai ser entregue a gestão a nível supraconcelhio de uma das mais estratégicas reformas da saúde. Imagino como se sentirão médicos, enfermeiros e técnicos de saúde a trabalhar sob as ordens de quem nunca teve formação na área. A linha sinuosa dos cortes cria, assim, excrescências de gordura partidária.

    (…)

    O incentivo de redução de 250 euros no IRS a quem acumular facturas com IVA, num valor de 25 mil euros, demonstra a irreflectida desproporção entre o esforço e a recompensa. Como comparar tamanho rigor com a tolerância com que se encaram as colocações financeiras no exterior, para as quais se oferece um bondoso esquecimento em troca de pouco mais de cem milhões de receita? Falta nas Finanças em experiência e conhecimento da vida o que sobra em teoria e ortodoxia.

    Pior só o primeiro dos ministros a proclamar como são leves e toleráveis os sacrifícios alheios.’

1 comentário :

Rosa disse...

Está tudo dito clara e concisamente... como é apanágio de Correia de Campos.