sexta-feira, janeiro 04, 2013

Reforma do IRC: uma mixórdia transparente


O CC tem prestado atenção (aqui e aqui) ao que tem sido dito sobre a comissão de reforma do IRC (o imposto sobre o rendimento das empresas). Ontem, na Quadratura do Círculo, Lobo Xavier, nomeado presidente desta comissão, insurgiu-se contra aqueles que o acusam de ter um conflito de interesses por ocupar cargos de topo em inúmeras sociedades. Num certo sentido, ele tem razão — muito embora o problema não seja exactamente esse.

Com efeito, a comissão ontem empossada tem dois comissários políticos e empresariais:
    • António Lobo Xavier, que representa o CDS-PP e, ao mesmo tempo, um grupo alargado de grandes empresas que recorre abundantemente a esquemas de planeamento fiscal, designadamente sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) que transferiram as suas sedes para países de tributação mais favorável; e • Miguel Frasquilho, que representa o PSD e é o director-coordenador do Gabinete de Estudos do BES, tendo defendido, na campanha das legislativas do PSD de Barroso, o “choque fiscal” (que a Dr.ª Manuela viria a meter na gaveta, tendo preferido fazer uns negócios com o Citigroup e a Portugal Telecom). É também deputado e, nessa qualidade, acabará por ter de apreciar o trabalho da comissão de reforma de que é parte integrante.

Neste sentido, a escolha destas figuras públicas não poderia ser mais transparente: um conhece bem os interesses das SGPS; o outro deverá estar avisado do que a banca reclama nas relações com os paraísos fiscais. O que está em causa é a preponderância que inevitavelmente Lobo Xavier e Frasquilho terão nos trabalhos da comissão, na qual não estão sequer representadas as pequenas e médias empresas.

Se os jornais (e, já agora, os deputados) fizessem o trabalho de casa, bastaria perguntar a Lobo Xavier e a Frasquilho qual a sua posição em relação ao despacho-que-vale-milhões. Ficaríamos todos esclarecidos.

ADENDA — Depois de o Álvaro ter tomado a iniciativa de propor a redução da taxa de IRC para 10% e fazer constar que andava para o efeito em negociações com Bruxelas, a sua ausência da cerimónia de posse da comissão de reforma do IRC prova que ninguém o leva a sério, a começar no seio do Governo. Por seu turno, a presença de Paulo Portas revela:
    • Que há dois governos no Governo e o ministro dos Negócios Estrangeiros é o primeiro-ministro do Governo do CDS-PP (a pasta dos Assuntos Fiscais está entregue ao CDS-PP);
    • Que, com a presença do presidente do CDS-PP numa cerimónia em que paira no ar a redução da taxa do IRC, o “partido do contribuinte” quer readquirir esta denominação, agora numa versão actualizada — “partido dos grandes contribuintes”. É uma designação mais consentânea com a realidade.

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