sexta-feira, maio 31, 2013

O buraco negro [2]


O Governo anunciou para 2013 medidas de consolidação orçamental de cerca de 3,6% do PIB, mas estimou uma redução do défice estrutural na ordem de 0,7 pontos — cinco vezes menos que a dose de austeridade com que nos ameaçou. A situação é referida nos últimos relatórios do Conselho de Finanças Públicas (CFP) e da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).

Rui Peres Jorge dá conta desta inconsistência no Jornal de Negócios, mas Vítor Gaspar, apesar de instado a esclarecê-la, não o fez. Eis o artigo de Rui Peres Jorge hoje publicado:


    ‘O Governo anunciou para este ano medidas de consolidação orçamental de cerca de 3,6% do PIB, mas propõe-se a reduzir o défice estrutural das contas públicas em apenas 0,7 pontos, ou seja, cinco vezes menos que a dose de austeridade prometida. A inconsistência, que não é explicada pelo Executivo e que molda o orçamento rectificativo que hoje será apresentado, está a chamar a atenção dos especialistas em contas públicas e é evidenciada nos últimos relatórios do Conselho de Finanças Públicas (CFP) e da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).

    Na conclusão da primeira visita da troika para a sétima avaliação ao programa de ajustamento, em Março, o ministro das Finanças anunciou que a meta de défice orçamental para este ano passaria a ser de 5,5% do PIB e que, devido ao agravamento das condições económicas, o pacote de austeridade seria reforçado de 3,2% para 3,6% do PIB. Estes foram os valores inscritos no Documento de Estratégia Orçamental (DEO) 2013 - 2017 apresentado já no final de Abril.

    Esta quantificação não é contudo consistente com a redução prevista no défice. Vejamos. Sem medidas extraordinárias, o défice orçamental baixará apenas duas décimas de 5,8% do PIB em 2012 para 5,6% em 2013, diz o próprio Governo. Sabe-se também que o efeito negativo do ciclo económico sobre as contas públicas (mais despesas com subsídios e menos receita fiscal) exigirá medidas adicionais de consolidação de cerca de 0,4 pontos, estima a Comissão Europeia, citada pela UTAO.

    Ora, como a factura de juros se mantém entre os dois anos, conclui-se que a austeridade necessária para cumprir as metas orçamentais - o que equivale à redução do défice estrutural primário - terá de ser da ordem dos 0,6% a 0,7% do PIB (ver tabela). Este é um valor cinco vezes inferior à austeridade anunciada.

    Sobreavaliação da austeridade ou despesa escondida

    O Negócios questionou ontem à tarde o Ministério das Finanças sobre a diferença, mas não obteve resposta até ao fecho da edição. A UTAO também não encontrou uma explicação: na análise ao DEO 2013- 2017 sublinha que a diferença entre as medidas de austeridade e a redução do défice primário estrutural "indica que existem outros factores de montante significativo" a influenciar as contas, mas não encontra uma justificação - até porque essa diferença não se verifica nos anos seguintes.

    Aos técnicos parlamentares o Ministério das Finanças justificou a austeridade de 3,6% com a necessidade de compensar um efeito muito negativo do ciclo económico e da menor base de tributação este ano. Contudo, vários especialistas em contas públicas afastam liminarmente que um efeito possa justificar uma discrepância deste dimensão.

    Sem uma explicação oficial será impossível ter certezas, mas as hipóteses colocadas pelos especialistas ouvidos pelo Negócios resumem-se a duas opções: ou Governo sobreavaliou o valor das medidas de austeridade ou espera um agravamento de despesa ainda não evidente e que não revelou. Em qualquer dos casos trata-se de um problema de deficiente transparência orçamental.

    O Conselho de Finanças Públicas, que também destaca a diferença, admite que "na origem desta discrepância esteja a necessidade de compensar o efeito das duas decisões do Tribunal Constitucional". A confirmar-se esta possibilidade, e visto que o pacote de austeridade de 3,6% do PIB foi decidido em Março, o Governo e a troika já tinham previstas medidas para fazer face à segunda decisão negativa do Constitucional, a qual só foi conhecida em Maio.

    Com medidas de austeridade deste montante, e sem despesa adicional não revelada, os riscos de falhar a meta para este ano serão nulos.’

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