- «De forma larvar começam a aparecer na Saúde as consequências do ajuste orçamental violento a que estamos submetidos desde há três anos e meio. Ainda sem resultados visíveis nos grandes agregados das estatísticas de mortalidade. Nem sequer nas de morbilidade ou de doença, essas mais difíceis de colher. Mas no desempenho dos serviços, ou seja, no funcionamento do SNS, que o Governo proclama defender até à eternidade.
Os mais fundamentalistas adiantam ter sido este Governo a salvá-lo da sua falência, dita técnica. Já conhecíamos o argumento desde os anos oitenta, quando Mrs.Thatcher, soltou o famoso brado “o SNS não está em risco, está a salvo, connosco” (the NHS is safe with us). Depois, foi o que se viu.
Sempre morreram pessoas nas urgências, antes, depois e durante a assistência. Por tal razão me bati para separar verdadeiros serviços de urgência de meras salas onde médico, enfermeira e administrativo faziam de contas que garantiam um atendimento de qualidade impossível. O primeiro requisito são recursos humanos de assistência directa, sobretudo médicos e enfermeiros. Quando estes escasseiam ou são comprimidos, ou mesmo suprimidos, a deriva de qualidade torna-se perigosa. Em situações de maior procura, normalmente no inverno e no pico do verão, por ausência de alternativa, muitos doentes frágeis afluem onde pensam poder ser rapidamente assistidos. O resultado traduz-se em esperas inomináveis, mesmo depois de uma triagem perfeita que separe a procura por graus de risco.
Segundo noticiam os jornais, sem contradita do ministério, teriam ocorrido mortes após várias horas de espera para observação e tratamento, em São José, no Hospital de Setúbal, no de Santa Maria da Feira e no de Peniche. Locais onde sempre houve boas condições de assistência urgente integral (com a eventual excepção de Peniche, por razões que ocuparam os jornais nos finais de 2007). O que terá feito a diferença, agora? Que factor causal pode ter influenciado estes desfechos? Quando os familiares referem a não assistência, não é suposto conhecerem as escalas de médicos e enfermeiros. Mas quando, em algumas grandes urgências, apenas teria sido possível escalar 5 ou 6 médicos, aí a preocupação aumenta. Passou-se do “oitenta para o oito”. Bem recordo o abuso de nomeações de escalas nos maiores hospitais do País, colocando entre 90 e 105 médicos, em serviço de urgência de porta e interna. Razões remuneratórias e não clínicas. Vencimentos baixos para a qualidade da função, os gestores abriam o recurso a horas extra na urgência para compensar e manter motivado o profissional. Claro que entre a motivação eficiente e o abuso do laxismo a fronteira seria sempre difícil. Tudo isso custava muito dinheiro ao País. Com a Troika vieram medidas austeritárias, mas não reformadoras. Em vez de se reorganizar o trabalho e a retribuição de médicos e enfermeiros em termos decentes, para o que havia espaço político, o Governo preferiu um quick winner: cortar nas escalas, reduzir vencimentos e limitar o valor a pagar por horas extra. Em vez de se interessarem pelas urgências, os profissionais passaram a delas fugir. A solução fácil, mais uma vez, foi recrutar médicos sem ligação ao hospital, de empresas constituídas para fornecer esta mão-de-obra qualificada. Como os encargos rapidamente espiralavam, o ministério anterior fixou um tecto financeiro para pagar a tais profissionais. Chegada a crise, sem outro recurso que as leis do mercado protegido que criou, não restou ao Estado outra solução que não fosse entrar no jogo escatológico de subir o tecto. Lá se foi, de vez, a aprendizagem das urgências para médicos da casa, as reuniões de equipa para encaminhamento de casos no final do turno e o acompanhamento personalizado, intramuros, por quem havia assistido em primeira mão.
Entrámos, assim, em círculo vicioso: não podem deixar de ser contratados médicos ao exterior para acolher uma procura exigente e crescente, agravada por razões sazonais. Não se pode deter essa procura, a montante, por se ter parado na criação de unidades de saúde familiares (USF) e de cuidados continuados (CCI), devido a escassez de recursos para pequenas obras, equipamento e co-financiamentos a instituições promotoras. Qualquer dessas alternativas é mais eficiente no curto e no médio prazo que a porta aberta a tudo e a todos, apesar dos 20 euros de taxa moderadora cobrada, até judicialmente, aos não isentos, com rendimento superior a 628 euros. Não admira que uns e outros, doentes e pessoal, fujam para o privado. Os doentes, que a si se considerem sem gravidade, preferem gastar os 20 euros no conforto da consulta rápida de um hospital privado, onde provavelmente serão assistidos por um médico de família que bem gostaria de integrar uma USF, mas não o pode fazer por o crescimento destas estar em hibernação. Médicos com mais de 55 anos preferem aguardar a reforma, ao desconforto de uma noite agitada num grande hospital. Os mais novos são atraídos por hospitais privados, onde já existem equipas de qualidade, reuniões clínicas e sobretudo retribuição decente. Os enfermeiros emigrarão para a Bélgica ou para o Reino Unido, onde a sua excelente formação é devidamente recompensada. Neste jogo de desencontros todos perdemos, sobretudo os que não têm os 20 euros. Assim se comemora o 35º aniversário do SNS.»
8 comentários :
Correia de Campos não merece que um seu artigo seja "publicado" com a foto de Arnaut... Ainda está por escrever a verdadeira paternidade do SNS...
Correia de Campos é pura e simplesmente um grande senhor honesto e trabalhados e um enorme gestor e especialista da Saúde, aliás um dos grandes políticos do Partido Socialista e um dos melhores ministros da saúde que Portugal conheceu. Construiu muito, mas não foi o único pois muitos deixaram os traços positivos com que a politica de saúde se foi construindo ao longo de 40 anos.
um membro do lúmpen neo-liberal como Correia de Campos que tudo fez para ruir o serviço nacional de saíde, com PPP do BES e tudo, com foto do justíssimo Arnaut é uma atrocidade de quem até reformista deixou de ser.
Deitem essa canalha na gaveta bem fechada dos neoliberais.
Oh das seg jan 12, 06:57:00 da tarde:
Há gajos muito tolos. Como tu.
Tolos mas tolos. Se há sector que se soube adaptar, crescendo em serviço até aos anos 20110, e mantendo-se em pé no essencial foi o da saúde. Mutos o fundaram - e Arnault sem duvida, mas tantos outros nos anos 70 e 80, e depois pelos 90 ora e 2000, muitos o questionaram, reformaram, repensaram e melhoraram, numa luta social e politica de interesses e de gente bem intencionada, para dar mais ao povo para fazer melhor e mais barato, muitas vezes a favor ou contra lóbis e verdades assentes, gente sabedora que teve vários pontos de vista, mas quase sempre gente competente e empenhada (sendo notáveis pelo reformismo e superior capacidade de entender a economia do sector, Leonor Beleza, que estava à frente da pequenez do pais e das capelinhas, Correia de Campos a meu ver o melhor (e com ele Carmen Pignatelli, e Pizzarro, uma bela equipa), nalguns aspectos Maria de Belém, Luis Filipe Pereira, Ana Jorge, e agora Macedo que apesar de tudo não será dos piores). Outros são mesmo para esquecer, como o manhoso Arlindo de Carvalho. Considero que neste sector, felizmente, os zig zagues foram mínimos até 2011, mas finalmente com PPC e a sua eterna troika, os retrocessos acumulados são gritantes, criminosos mesmos.
seg jan 12, 07:29:00 da tarde,
Em vez de insultares, tenta antes negar o que foi dito.
seg jan 12, 08:06:00 da tarde
Nunca, como eu, precisaste de recorrer ao SNS antes e depois do Correia de Campos, para saber o que se acumulou em custos gravosos em cenas crónicas, é o que é.
Aliás, chegámos à situação a que chgámos por conta desta longa lista de neo-liberais, Correias de Capos, Amados, Coelhos, Vitorinos, que encorporaram governos de um partido que se diz social-democrata e reformista e que continuando Cavaco e Barroso, em mais fofinho, nada fez tirando gerir a carteira de activos dos BES e das Motas engis nada fez pela herança dos seus melhores, como Arnaut.
A situação é calamitosa, e insitem em mais do mesmo.
Há gente adepta do CC que julga que os políticos no poder, os que vão a votos, e os seus partidos, instituições de poder de estados da união europeia(e no caso do euro!) deveriam ou poderiam continuar (sempre e sempre) a aplicar as velhas politicas que aprenderam em jovens, a repetir as mesmas formulas gastas, sem recriar e adaptar-se constantemente às realidades, anseios e constrangimentos do seu tempo. Por isso são acusados de Traidores, neoliberais, etc. Que tristes!
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