sexta-feira, novembro 09, 2012

O dia em que Jonet homenageou as políticas sociais


Fernanda Câncio, Obrigada, Isabel Jonet:
    ‘Quem não se lembra do fim de 2010, quando a campanha presidencial de Cavaco lançou a ideia de recolher restos nos restaurantes para dar a quem "precisasse"? Nessa altura, havia, dizia-se, fome em Portugal, era preciso um sobressalto cívico e não se podiam exigir mais sacrifícios aos portugueses. Aparentemente, desde então, tudo melhorou, ao ponto não só de nunca mais termos ouvido ao Presidente uma palavra sobre tupperwares com sobras (e, a bem dizer, poucas sobre seja o que for), como de a presidente do Banco Alimentar certificar que é preciso habituarmo-nos à ideia de que não podemos comer bife todos os dias.

    (…) E entre tanto disparate Jonet até disse uma coisa interessante: que ainda não há miséria em Portugal, ao contrário do que constatou na Grécia. Motivo? "Temos ainda uma estrutura que o impede".

    Ninguém perguntou a Jonet a que estrutura se referia, e foi pena. Porque, quiçá inconscientemente, Jonet está a reconhecer o papel das políticas sociais que lograram reduzir não só a taxa de pobreza como, até, recentemente, diminuir a desigualdade - a contra-ciclo do que se passou com a generalidade dos países europeus. O efeito combinado de uma série de medidas - do subsídio de desemprego ao RSI, passando pelo Complemento Solidário para Idosos - logrou essa proeza.

    O facto de tão poucos se terem congratulado com o efeito tão palpável dessas políticas até que cortes sobre cortes e o discurso da "refundação" ameaçam destruí-las explica que seja tão fácil esquecer que são a nossa única barragem contra a miséria - a material e a outra. Explica que seja possível haver quem nos queira convencer que essa barragem está acima das nossas possibilidades; que querer erradicar a miséria, em vez de a manter com esmolas, é o novo "gastar à tripa forra". Oiçamos pois o alerta, ainda que atabalhoado, de Jonet: salvemos o que nos salva. A escolha não é entre "nós" e os pobres. É mesmo nossa.’

6 comentários :

Júlio de Matos disse...



Excelente texto.

Uma grande bofetada na joninhas...

Fernando Romano disse...

Isabel Jonet dá estágios às criançinhas ricas para aprenderem a dar aos pobres, nas recolhas do Banco Alimentar.

Já algumas vezes deparei que nas equipas de recolha de ofertas para o Banco Alimentar, aparecem crianças espigadotas, de aspeto bem nutrido, rosadinhas, belíssimamente calçadas e vestidas, a fazerem de "molecos" junto à caixa dos supermercados, acarretando os sacos para os respetivos carrinhos. Parecem estagiários na aprendizagem, desde pequeninos, a ajudar os pobrezinhos, a ver o que mais sacos acarreta. De pequenino é que se torce o pepino...

O ano passado, no Modelo de Lourel, enquanto esperava a minha vez na caixa, assisti a uma cena singular - arrepiante!

Uma dessas crianças pôs-se de plantão junto às compras do cliente que estava a ser atendido, na ânsia de ver chegar o saco com a marca do Banco Alimentar; às tantas, a funcionária da caixa, depois de registar os artigos contidos nesse saco, adiantou o respectivo, ao qual o miúdo, pressuroso, se atirou, como se perdido de fome estivesse.. O cliente em questão deitou a mão ao saco:

-Eu levo! - disse-lhe o cliente.
-Eu levo! - insistiu o miúdo com determinação, como se a fome lhe apertasse, mãos agarradas ao saco.
-Deixa estar que eu levo! - voltou o cliente, pacientemente, voz firme, segurando o saco.
-Eu levo! - persiste a criança.
(A cena atraíu a atenção dos mais próximos do beija-mão, arregalando os olhos)
De minha parte, que estava ali à beirinha, temi o pior.... O miúdo estava em sessão de treino na ajuda aos pobres, e aquele dador não estava pelos ajustes..
-Ai, ai...- murmurei bem para bem dentro de mim.
Nisto, o miúdo querendo mostrar empenho e serviço, forçou o saco para o seu lado.
-Raspa-te já! - disparou o cliente, arrebatando-lho energicamente.

As pessoas presentes reagiram com expressão de espanto, como quem não sabe bem a que lado entregar a razão.

O cliente pagou a conta, abalou decidido em direção ao carrinho, sem corresponder ao "obrigado" da funcionária.

Julgo que aquele cliente ainda hoje se deve interrogar sobre se o seu comportamento foi pedagógico ou foi egoísta/agressivo para com o catraio.

Egoísta não foi concerteza! - penso eu.

Isabel Jonet é que vai fazendo a sua pedagogia junto da criançada. Os futuros pobres e deserdados podem estar descansadinhos.

Rosa disse...



Já há bastante tempo, deixei de dar para este(s) peditório(s)...
Prefiro ser eu a dar o que entregaria a outros para o fazerem depois.
Mas como não concordo nada com este tipo de "caridadezinha"(volto logo, em pensamento, ao pré 25 de Abril) remeto para o estado a responsabilidade da maioria das políticas sociais.
E concordo plenamente com o que diz Fernando Romano...Isabel Jonet fez declarações ofensivas para a maioria do povo português que, por este andar, qualquer dia, nem sardinhas consegue comer...quanto mais bifes...
larações

João Pedro disse...

O comentário de Rosa é muito sintomático: instituições como o Ba são "caridadezinha salazarenta", o estado é que deve tratar das coiss, etc. O problema é que quando o estado não chega lá, quem precisa é que sofre. Mas percebemos a ideia: o Estado que tome conta dos "pobrezinhos" através dos seus burocratas que nõs não queremos nada com essa gente. É assim, não é? é que há quem enfrente in loco a pobreza e contacte com quem precisa, sem necessitar de funcionários estaduais.

Anónimo disse...

A "caridadezinha" como afirma é um paliativo, não é uma politica que enfrente as desigualdades e os problemas da pobreza de frente.
Ajuda quem necessita? Claro que ajuda. Mas não os tira da pobreza. Ponto. Isso compete ao estado. E essa tarefa nunca a " caridadezinha" poderá prover, mesmo que cumpra o seu papel de aliviar quem mais precisa e aliviar certas consciencias menos solidárias em relação ao estado como um todo.

João Pedro disse...

Pois, mas tem um papel importantíssimo na sociedade: fala-se de dar a cana de pesca, mas esquece-se que para se ganhar forças para a empunhar é preciso antes comer o peixe. E porque raio terão sempre de se referir à Caridade como "caridadezinha"? Ou de falar em "consciências menos solidárias"? Não estamos a falar de uma malga de sopa, caramba!