sábado, junho 07, 2014

A querela constitucional trocada por miúdos

• Augusto Santos Silva, A querela constitucional trocada por miúdos:
    «(…) Então, porquê esta dramatização, este crescendo de ataques ao Tribunal Constitucional, estas ameaças, mais ou menos veladas, de rutura?

    A razão é só uma. Com os sucessivos limites que tem imposto, o Tribunal acaba por pôr em causa a estratégia política do Governo. É isso que este não lhe perdoa.

    A verdade é que Passos Coelho e Paulo Portas bloquearam as reformas que estavam em curso, na estrutura do Estado e da economia portuguesa. Em vez de prossegui-las, apostaram tudo em isolar dois grupos específicos - os funcionários e os pensionistas - apresentando-os como os "culpados" do "excesso" de despesa e, portanto, as vítimas sacrificiais da "redenção". A fantasia da solução do problema orçamental pelo corte nos consumos intermédios, sem beliscar mais nada, foi apenas propaganda. Ganha a eleição, as "gorduras" passaram a estar nessa geração de velhos que supostamente receberia mais do que devia e nessa corporação pública supostamente mimada com privilégios a que os trabalhadores do privado não acediam. Posta assim a coisa, pensavam os estrategas do Governo, talvez o que ficasse perdido junto de funcionários e pensionistas pudesse ser minimizado com uns doces de fim de legislatura (como a reposição parcial de 2015) e pudesse ser compensado com a adesão de classes médias mais sensíveis à punção fiscal.

    Esta estratégia perdeu, por duas razões. Uma foi a dimensão da crise, que tudo e todos devastou. Outra, a ação do Tribunal Constitucional, que obriga a moderar os danos infligidos aos grupos-alvo. O Governo não pode atacar a crise, que foi a oportunidade para o seu programa; mas pode atacar os juízes constitucionais, que são o obstáculo.»

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